segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O meu pai é o melhor

Como todas as crianças, eu e minha irmã éramos loucas por chocolate. Barras de chocolate ao leite, iogurte de chocolate, bolo de chocolate, brigadeiro, sorvete de chocolate, qualquer coisa de chocolate. Lembro de inúmeras tardes vasculharmos os bolsos dos casacos dos nossos pais atrás de moedinhas para irmos até o armazém da esquina comprar uma lata de leite condensado, ingrediente básico para o brigadeiro de colher. Na Páscoa, o coelhinho trazia uma cesta para cada uma, com tantos ovos de chocolate que pareciam que iriam durar até a Páscoa do próximo ano. Que nada! Mal e mal uma semana! Tudo isso além de que bebíamos, cada uma,  mais de um litro de leite por dia, sempre com Nescau.

Pois o pai, que sempre gostou de um experimento nos levar para passear nos fins de semana e preocupado com tanto chocolate no nosso sistema, resolveu unir o último ao agradável e nos levar para passear em Gramado. Quem é do sul sabe que Gramado é a terra do chocolate na região. É uma cidadezinha charmosíssima nos nossos "alpes gaúchos" onde acontece o Festival de Cinema, onde pode-se encontrar maravilhosos "cafés coloniais" que nada mais são do que uma orgia calórica absurda de carboidratos do tipo açúcar simples  e, é claro, os chocolates artesanais. Montanhas de chocolate. Tudo o que é tipo de chocolate. Por tudo que é canto da cidade. O paraíso dos chocólatras.

Já tínhamos ido à Gramado várias vezes mas desta vez o passeio veio com uma baita surpresa: podíamos comer o quanto de chocolate quiséssemos. Isso mesmo, foi uma espécie de desafio, um "duvido que consigam comer tanto chocolate!" Na verdade, o que o pai tinha em mente era que acabássemos enjoando de chocolate e, pronto, estaríamos salvas.

Foi um passeio genial. As bobinhas passaram o dia todinho se empanturrando com chocolate. Quanto ao resultado do experimento, um desastre. Acho que não existe chocolate demais no nosso caso. E naquele dia, com tanto chocolate sem restrição, nunca teve um pai assim tão legal!

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Uma das minhas memórias mais antigas é estar na sala do apartamento onde morávamos com uma revista para crianças recheada de dinossauros de cartolina para destacar e montar. Eu devia ter uns 3 ou 4 anos, tinha sido um presente do meu pai e ele me explicava que os dinossauros habitaram a Terra há milhões de anos atrás e etc. Eu estava encantada pelos dinossauros e lembro de escutar fascinada sobre o que ele me contava. Mais tarde aprendi porque chove, como se forma um arco íris, aprendi sobre as estrelas, os planetas, os buracos negros, a teoria da relatividade, como o mundo é infinitamente interessante.

Hoje procuro passar essas experiências para o meu filho. Não sou assim tão boa como o meu pai mas meu filho já captou a mensagem mais importante nessa interação: quem ensinou todas essas coisas maravilhosas foi o vovô. Quando eu me perco ele diz "o vovô sabe, pergunta para ele."  

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De vez em quando o pai trazia para casa uma pilha de comprovantes de pacientes que ele havia atendido naquele dia. Como ele tinha muito para fazer, ele pedia para que eu e a minha irmã o ajudássemos colocando os comprovantes em ordem alfabética. Nós levávamos horas realizando a tarefa e ele agradecia e elogiava o nosso trabalho. Eu me sentia super orgulhosa e competente, eu adorava ajudar em algo importante, de gente grande.

Só depois de adulta fui me dar conta que ele podia colocar aquilo em ordem alfabética em 2 minutos e que na verdade quem estava nos ajudando era ele.

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Tivemos muita sorte em morar numa rua tranquila, cheia de crianças da nossa idade. Crescemos brincando na rua, explorando terreno baldio, pulando muro. Nessas de fazer passeios nos fins-de semana, quantas vezes o pai não encheu o carro com as nossas amiguinhas e nos levou ao zoológico, ao circo, ao parque de diversões?

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Eu já tinha terminado o segundo grau, provavelmente estava fazendo cursinho para o vestibular. Não lembro como aconteceu, mas lembro direitinho de estar num jaleco branco, numa salinha do ambulatório da Santa Casa no meio de vários alunos de medicina, assistindo à uma aula do meu pai. Naquele dia eu descobri o talentoso professor de medicina que ele é. Senti um orgulho imenso e passei a entender a admiração e devoção de ex-residentes.

E a minha só aumentou.

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Teria um milhão de historinhas para contar mas só estaria enrolando para chegar ao ponto principal: hoje é o aniversário do meu pai. E tem todo um Oceano Atlântico que me impede de abraça-lo e festejar esse dia ao lado dele. Sou abençoada com um pai de verdade, ali, presente. Eu sei que posso contar com ele.

Meu pai é a lá moda antiga: é um exemplo de ser humano a ser seguido, de homem correto e com princípios éticos e morais firmemente estabelecidos. Não que seja rígido, pois possui muito bom senso. É um homem admirável.

Eu sou suspeita para falar porque sou filha dele, eu sei. Mas é exatamente porque sou filha que sei muito bem do que estou falando, afinal, como todos os filhos, já tive várias discussões com meu pai, nem sempre concordei com ele e é assim com todos nós. Também sei muito bem que todos nós temos nossas falhas e pontos fracos e ninguém é excessão.

Só que tem uma coisa que meu pai faz melhor do que ninguém: ele assume seus papéis (profissional, social, familiar, etc) com responsabilidade; ele dá o melhor de si,  faz o melhor que pode e suas decisões são tomadas com responsabilidade e com a melhor das intenções.  E também já "peguei" ele várias vezes "pedindo" auxílio para que os comprovantes sejam colocados em ordem alfabética para gente que nem desconfia. Se mais pessoas fossem assim, o mundo seria um lugar muito melhor.

Eu queria muito estar lá com ele hoje. Queria muito saber expressar todo o carinho que tenho por ele, saber agradecer por tudo sempre, saber retribuir. Mas sou desajeitada com demonstrações de afeto, atrapalhada, boba.

Já que só resta o telefone, já que não posso estar lá para abraça-lo hoje e já que me deu uma vontade enorme de dizer "pai, eu te amo", deixo aqui o meu ensaio atrapalhado mas de coração.



Com todo o meu carinho,

Ale